A HUMANIDADE NO ESPAÇO E NO TEMPO

Desde que Galileu primeiramente voltou o seu telescópio para o céu, os instrumentos científicos têm constantemente expandido a nossa visão do universo, de modo que podemos agora observar atentamente muito mais longe do que com o insignificante alcance dos aparelhos sensoriais humanos puros. O que vemos, quando olhamos através destes instrumentos científicos, apontam pouca semelhança às idéias previamente esboçadas pela nossa experiência diária. Evidentemente, os processos de pensamento puramente internos, baseados ou na revelação ou na razão, e suplementados unicamente pela observação sensorial pura, fornecem um mecanismo desastrosamente inadequado para se aprender sobre a natureza do universo. Parece altamente improvável podermos esperar o entendimento de nós mesmos, sem prestarmos uma estreita atenção às mensagens trazidas até nós pelos instrumentos da ciência.

Informações diretas sobre os corpos humanos e os cérebros são fornecidas por dispositivos tais como os microscópios e os scanners M.R.I. (Imagens por Ressonância Magnética). Este último tem sido especialmente importante na indicação, para consternação de muitos, que o pensamento humano possa ser produto de processos naturais, bem estabelecidos, que não sinalizam para uma nova física. Realmente, a despeito de algumas tentativas recentes para se encontrar um papel especial para a mecânica quântica no entendimento da consciência, os dados indicam que o cérebro opera quase que exclusivamente no domínio da mecânica newtoniana anterior ao século XX. Pelo menos, nada sabemos neste instante que requeira-nos assumir outra postura.

A mecânica quântica, é claro, desempenha um papel importante na química dos organismos vivos. Entretanto, os princípios envolvidos são os mesmos daqueles para a química de uma rocha. Então, a primeira coisa que aprendemos sobre nós mesmos, a partir dos modernos instrumentos científicos, é que somos feitos da mesma coisa básica do que são feitas as rochas, e que a vida e a mente não requerem ingredientes especiais, materiais ou não materiais. Tudo o que se precisa é de carbono e alguns outros átomos para fazerem crescer estruturas não lineares, e de tempo suficiente para estas estruturas evoluírem para formas com complexidades suficientes de modo a exibirem as qualidades que rotulamos como vida e percepção. Simulações de computadores indicam que este tipo de comportamento desenvolver-se-ia naturalmente em sistemas não lineares, suficientemente complexos, indiferentes à plataforma.

Enquanto nossos corpos e cérebros não forem treinados diretamente, modernos telescópios continuam a confirmar o "status" aparentemente insignificante dos humanos na totalidade da existência. Teorias cosmológicas correntes, baseadas em observações telescópicas, indicam que mesmo as bilhões e bilhões de estrelas e galáxias do "Cosmos" de Carl Sagan são apenas uma minúscula mancha de poeira num universo extremamente grande, que se estende para além do nosso horizonte visível. E, embora muito especulativo, o vasto universo no qual vivemos pode ser apenas um dos incontáveis universos. Certamente, o planeta Terra e os seus habitantes podem ter muito pouco a fazer com a natureza suprema da realidade. Qualquer sentido que pudéssemos encontrar para a nossa existência teria de ser auto-gerado, uma tarefa que eu não vejo como impossível e nem infrutífera.

Do mesmo modo os dados da física moderna não podem ser ignorados se quisermos entender a condição humana. Aceleradores de partículas tem revelado que o universo, não obstante, ao seu enorme tamanho, é ao mesmo tempo notadamente simples na sua estrutura básica. A matéria é, no final das contas, composta de umas poucas e básicas partículas chamadas quarks e léptons. Forças materiais resultam quando estas partículas trocam entre si outras partículas, chamadas bósons. Apesar disto não ser indubitavelmente o final da estória, temos muitas razões para antecipar que os avanços futuros do conhecimento serão ainda mais simplificadores.

As assim chamadas leis da física, tais como os grandes princípios de conservação da energia, do momentum linear e do momentum angular que formam os fundamentos da física, por si só podem ser entendidos como expressões da simetria e da simplicidade da natureza. Estruturas complexas emergem como conseqüência da quebra não causual, acidental, das simetrias subjacentes. Assim a complexidade surge naturalmente da simplicidade.

Nas discussões da condição humana, muitas suposições que são feitas sobre o universo não são, geralmente, reconhecidas como suposições, mas tomadas como fatos auto evidentes. Uma vez mais, estas são as conseqüências da visão estreita da perspectiva humana pura e simples. Uma de tais suposições, tendo conseqüências profundas, é que o tempo é alguma espécie de rio que "flui" do passado para o futuro, levando-nos adiante com sua forte e não divergente correnteza. Há quase um século atrás, Einstein mostrou que a visão tradicional do tempo absoluto estava errada, e que, observadores diferentes mediriam intervalos de tempo diferentes entre os mesmos eventos. Assim é impossível objetivamente definir um momento "agora" válido para todo o universo.

Mesmo antes, Boltzmann sugeriu que a direção, ou "seta", do tempo era simplesmente uma convenção, que se aplica somente sistemas de muitos corpos, tais como aqueles sistemas macroscópicos da nossa observação diária. Nenhuma seta de tempo pode ser encontrada nas equações da física clássica ou quântica. A segunda lei da termodinâmica é nada mais que uma definição da direção convencional do tempo.

Em 1948, Richard Feynman mostrou que as antipartículas poderiam ser vistas como partículas viajando de volta no tempo. A teoria dos processos elementares, muito bem sucedida, desenvolvida subseqüentemente a isto e levando hoje o tão modesto nome de "modelo padrão", não faz distinção básica entre o passado e o futuro, ou causa e efeito. Apesar da linguagem convencional de tempo direcionado ser usada freqüentemente em descrições escritas, as equações mais precisas não contém tais preconceitos. Ademais, experimentos encontraram evidências diretas para a causualidade retrógrada no nível quântico. Parece muito provável que o tempo seja fundamentalmente reversível.

A seta do tempo de Boltzmann permanece um válido princípio emergente aplicável à experiência humana. Mas, no final das contas, o tempo não tem direção, e daí não tem um início ou um fim. Neste nível, causa e efeito, são intercambiáveis, e, como implica a maioria das interpretações da mecânica quântica, eventos podem acontecer no universo sem uma causa.

Aquele que ponderar a natureza e a condição humana não pode simplesmente ignorar a natureza da humanidade e a sua posição no tempo e no espaço, como revelada pelos instrumentos da física moderna e da cosmologia. Eles devem romper com as tradições de milhares de anos e aceitarem que não somos especiais, e, de jeito nenhum, realmente importantes no grande esquema das coisas. Somos feitos da mesma coisa que todas as outras coisas, lançados juntos por acidente, e evoluindo não de acordo com algum propósito, ou plano especial, para uma realidade subjacente que não tem começo, não tem fim e não faz distinção alguma entre o passado e o futuro.

Nossa capacidade cognitiva altamente evoluída permite-nos compreender isso, porém somente depois de uma imensa infusão de dados do além da experiência sensorial pura. Enquanto continuarmos a estender as fronteiras dessa experiência, poderemos esperar por melhoras significativas no entendimento de nós mesmos. Ignorando os dados dos instrumentos científicos avançados, e voltando a confiar somente nos dados da vida cotidiana, resultaremos simplesmente numa degradação do conhecimento e num retorno a barbárie.

BIBLIOGRAFIA

"Cosmos' - Carl Sagan - Ed. Francisco Alves - 1983

"A mente nova do rei" - Roger Penrose - Ed. Campus - 1997

"Uma breve história do tempo" - Stephen Hawking - Ed. Rocco - 1988

"O tao da física" - Fritjof Capra - Ed. Cultrix - 1984

"O Ponto de Mutação" - Fritjof Capra - Ed. Cultrix - 1982

"A Totalidade e a Ordem Implicada - uma nova percepção da realidade" - David Bohm - Ed. Cultrix - 1983

"O que é uma lei física" - Richard P. Feynman - MIT Press - 1967

"Surely You´re Joking, Mr. Feynman!" - Richard P. Feynman - 1985

"À procura do gato de Schrödinger" - John Gribbin - 1984

"The First Three Minutes" - Steven Weinberg - Basic Books, Inc., Publishers - 1988

"A Unificação das Forças Fundamentais" - Abdus Salam, Werner Heisenberg, P.A.M. Dirac - Jorge Zahar Editor - 1988

"Como Vejo o Mundo" - A. Einstein - Ed. Nova Fronteira